Médicos cubanos
29 de agosto de 2013 | 2h 15
Ives Gandra da Silva Martins * - O Estado de S.Paulo
A
preferência da presidente Dilma Rousseff pelos regimes bolivarianos é
inequívoca. Basta comparar a forma como tratou o Paraguai - onde a democracia é
constitucionalmente mais moderna, por adotar mecanismos próprios do sistema
parlamentar (recall presidencial) - ao afastá-lo do Mercosul e como trata a
mais sangrenta ditadura latino-americana, que é a de Cuba.
A
presidente do Brasil financia o regime cubano com dinheiro que melhor poderia
ser utilizado para atender às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS),
dando-lhe maior eficiência em estrutura e incentivos.
Em período
pré-eleitoral, Dilma Rousseff decidiu trazer médicos de outros países para
atender a população do interior do Brasil, sem oferecer, todavia, as condições
indispensáveis para que tenham essas regiões carentes hospitais e equipamentos.
Empresta dinheiro a Cuba e a outros países bolivarianos, mas não aplica no nosso
país o necessário para que haja assistência gratuita, no mínimo, civilizada.
O cúmulo
dessa irracional política, contudo, parece ocorrer na admissão de 4 mil agentes
cubanos, que se dizem médicos - são servidores do Estado e recebem daquela
ditadura o que ela deseja pagar-lhes -, para os instalar em áreas
desfavorecidas do Brasil, sem que sejam obrigados a revalidar seus títulos nos
únicos órgãos que podem fazê-lo, ou seja, os Conselhos de Medicina.
Dessa
forma, trata desigualmente os médicos brasileiros, todos sujeitos a ter a
validade de sua profissão reconhecida pelos Conselhos Regionais, e os
estrangeiros que estão autorizados exclusivamente pelo governo federal a
exercer aqui a medicina.
O
tratamento diferencial fere drasticamente o princípio da isonomia
constitucional (artigo 5.º, caput e inciso I), sobre escancarar a nítida
preferência por um regime que, no passado, assassinou milhares de pessoas
contrárias a Fidel Castro em "paredóns", sem julgamento, e que, no
presente, não permite às pessoas livremente entrarem e saírem de seu país,
salvo sob rígido controle. Pior que isso, remunerará os médicos cubanos que
trabalharem no Brasil em valores consideravelmente inferiores aos dos outros
médicos que aqui estão. É que o governo brasileiro financiará, por intermédio
deles, o próprio governo de Cuba, o qual se apropriará de mais da metade de seu
salário.
Portanto,
a meu ver, tal tratamento diferencial fere a legislação trabalhista, pois
médicos exercendo a mesma função não poderão ter salários diversos. O inciso
XXX do artigo 7.º da Constituição federal também proíbe a distinção de
remuneração no exercício de função.
Acontece
que pretende o Estado brasileiro esquivar-se do tratamento isonômico alegando
que acordo internacional lhe permite pagar diretamente a Cuba, que remunerará
seus médicos com 25% ou 40% do valor que os outros médicos, brasileiros ou não,
aqui receberão.
É pacífica
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os tratados entram em
nosso ordenamento jurídico como lei ordinária especial, vale dizer, não podem
sobrepor-se à Constituição da República, a não ser na hipótese de terem sido
aprovados em dois turnos, nas duas Casas Legislativas do Congresso Nacional,
por três quintos dos parlamentares (parágrafo 3.º do artigo 5.º da nossa Lei
Maior).
Ora, à
evidência, o acordo realizado pelo governo brasileiro não tem o condão de
prevalecer sobre a nossa Carta Magna, por ter força de lei ordinária especial,
sendo, pois, de manifesta inconstitucionalidade. Francisco Rezek, quando
ministro do STF, certa vez, a respeito da denominada "fumaça do bom
direito", que justifica a concessão de liminares contra atos ou leis
inconstitucionais, declarou, em caso de gritante inconstitucionalidade, que a
fumaça do bom direito era tão grande que não conseguia vislumbrar o rosto de
seus pares colocados na bancada da frente. Para a manifesta
inconstitucionalidade do ato a imagem do eminente jurista mineiro calha como
uma luva. O tratado do Brasil com a ditadura cubana fere o artigo 7.º, inciso
XXX, da Constituição federal.
O que me
preocupa, no entanto, é como uma pequena ilha pode dispor de um número enorme
de "médicos exportáveis", que, se fossem bons, não deveriam correr
nenhum risco ao serem avaliados por médicos brasileiros dos Conselhos
Regionais, e não por funcionários do governo federal.
Pergunto-me
se tais servidores cubanos não terão outros objetivos que não apenas aqueles de
cuidar da saúde pública. Afinal quando foram para a Venezuela, esse país se
tornou gradativamente uma semiditadura, na qual as oposições e a imprensa são
sempre reprimidas.
E a
hipótese que levanto me preocupa mais ainda porque foi a presidente
guerrilheira e muitos de seus companheiros de então haviam sido treinados em
Cuba e pretendiam impor um governo semelhante no Brasil, como alguns deles
afirmaram publicamente.
Tenho a
presidente Dilma Rousseff por mulher honesta e trabalhadora, embora com
manifestos equívocos em sua política geradora de alta inflação, baixo produto
interno bruto (PIB), descontrole cambial e déficit na balança comercial e nas
contas externas. O certo, contudo, é que a sua preferência pelos regimes
bolivarianos e a sua aversão ao lucros das empresas talvez estejam na essência
de seu comportamento na linha ora adotada.
Respeito a
presidente da República eleita pelo povo, mas tenho receio de que suas
preferências ideológicas estejam na raiz dos problemas que vivemos, incluída a
importação de agentes públicos de Cuba que se intitulam médicos.
*Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades
Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de S. Paulo, das escolas de
Comando e Estado-Maior do Exército e Superior de Guerra, é presidente do
Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO-SP, fundador e presidente honorário
do Centro de Extensão Universitária.
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