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A QUEM INTERESSA A
REGULAMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO 169 DA OIT?
O Governo brasileiro, via Ministério das Relações
Exteriores e Secretaria Geral da Presidência da República, tem
convocado reuniões formais para discutir com lideranças indígenas e quilombolas
uma espécie de marco regulatório da Convenção (CV) 169 da OIT. Esta Convenção
foi ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no143
de abril de 2004 – e, portanto, tem força de lei. Basicamente este instrumento
legal dá aos povos indígenas do país o direito de consentirem ou não com
o uso de parcelas do seu território para todo e qualquer empreendimento que os
afeta, independentemente de estes empreendimentos estarem fisicamente fora das
terras indígenas formalmente reconhecidas pelo Estado
brasileiro. Além de serem convocados pelo governo sobre normas legislativas que
de alguma forma possam lhes afetar, “Os povos interessados terão o
direito de definir suas próprias prioridades no processo de desenvolvimento na
medida em que afete sua vida, crenças, instituições, bem-estar espiritual e as
terras que ocupam ou usam para outros fins, e de controlar, na maior medida
possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso,
eles participarão da formulação, implementação e avaliação de planos e
programas de desenvolvimento nacional e regional que possam afetá-los diretamente” (Artigo
7 §1).
Assim sendo o Governo criou um Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) para definir o que chama de “regulamentação” dos
procedimentos de consulta. E convocaram a sociedade civil para se manifestar
nessa agenda. Esta é a nossa manifestação.
Desde logo consideramos no mínimo curioso que esta
iniciativa do Governo Federal reconhece a autoaplicabilidade da CV 169, como
vemos no esboço de agenda proposta por aquele GTI (anexo):
Diante dos preceitos e princípios do Direito
Internacional, ratificados pelo Direito Constitucional Nacional, todo tratado
internacional incorporado tem aplicação direta no Brasil, prescindindo qualquer
tipo de regulamentação para sua máxima vigência ou aplicação. Nesse sentido, a
Convenção 169 OIT, que foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio em
2004, é autoaplicável e vigora, na sua plenitude, desde então.
Logo, a
motivação do atual trabalho, através da interação
GTI e sociedade, está necessariamente (sic) no compromisso afirmado pelo Estado brasileiro
em respeitar e contemplar a alteridade, os usos e os costumes e tradições,
organização social e representatividade política desses Povos e Comunidades,
buscando normalizar os processos de consulta prévia e informada, sempre que
sejam previstas medidas legislativas ou administrativas que sejam suscetíveis
de afetá-los.
Ou seja, como o Estado brasileiro (e não o Governo
repara-se, ou mais precisamente a Constituição Federal) tem o autocompromisso
acima afirmado, nada mais justo do que “normatizar” a consulta aos diferentes do
nosso Brasil europeu (povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais).
Mas por que o Estado brasileiro demorou oito anos para tomar essa iniciativa?
Antes de tentar atinar sobre o porquê de justamente
agora essa iniciativa, é o caso de se perguntar onde e em quais circunstâncias
(projetos de infraestrutura, legislação infraconstitucional, legislações
estaduais ou mesmo municipais) buscou o Estado brasileiro, por meio dos três
governos que o ocuparam desde 2004, aplicar a CV 169 por sua iniciativa?
Nossa lembrança não encontra nenhuma obra ou lei que, afetando os interesses
indígenas (para ficar com o “segmento” que atendemos), tivesse sido alvo de
convocatória dos governos de FHC e Lula para que os povos indígenas
consentissem ou não com obras ou iniciativas legislativa que lhes
afetem ou dizem respeito. Nenhum procurador da AGU, que por dever de ofício
deveria estar ciente da existência da CV 169 e do Decreto Legislativo 143/2002,
agiu para que os agentes dos governos fizessem a convocatória das consultas.
Nada. As consultas havidas neste período foram arrancadas pelos povos
indígenas, pelo MPF e pelas ONGs indigenistas e indígenas. É o caso da criação
da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), proposta das entidades
indígenas e indigenista congregada no Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas
(FDDI) e ratificada pelo Acampamento Terra Livre. Como foi quando participamos
por solicitação da Associação Timbira Wyty-Cate e da Associação Xavante Warã,
dos Estudos de Impacto das AHEs de Estreito e as planejadas no rio das Mortes.
Nestes casos, obrigamos, com o auxílio do MPF no primeiro caso, o
governo a consultar os povos indígenas afetados, não antes de revelarmos à
própria FUNAI (ausente em ambos os licenciamentos em suas fases iniciais, por
omissão ou prevaricação) a existência mesmo dos processos de licenciamento
destas obras.
Antes que nos acusem de radicais, vamos supor que
esta iniciativa do governo federal seja bem intencionada e vise de fato cobrir
a omissão da AGU e do Governo Federal (quando não do Estado brasileiro), com o
resultado do GTI publicado em Decreto obrigando os diversos órgãos da
administração pública federal a consultar povos indígenas, quilombolas e
comunidades tradicionais sempre que seus interesses forem afetados por obras ou
normas administrativas, na forma estabelecida e discutida com os beneficiários
da CV 169. Certo, mas como definir no Decreto tais “interesses”? Como
caracterizar claramente a “afetação” e seu grau? Porque estas são as premissas
básicas estabelecidas na CV 169 no seu artigo 6º: “A melhoria das condições de
vida e de trabalho e do nível de saúde e educação desses povos (indígenas e
tribais), deverá, com sua participação e cooperação, ser prioritária
nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões que habitam (grifo
nosso)”. Ora, em primeiro lugar, estes povos e comunidades habitam em um (ou
mais) Estado da federação e num ou vários municípios e nenhum Decreto pode, por
força do pacto federativo estabelecido na CF, determinar que os Governos
Estaduais e Municipais convoquem povos indígenas e quilombolas para que
participem prioritariamente nos seus planos de
desenvolvimento. Só a lei ordinária tem esse pendão e ela já existe!
Basta aplicá-la. Mas, como já dissemos, jamais foi aplicada formalmente nestes
oito anos de existência!
Em segundo lugar, as definições acima mencionadas
(de “interesse” e “afetação”) já foram, no nosso entendimento, estabelecidas
pelo Governo Federal por meio da Portaria Interministerial nº 419, de 26 de
outubro do ano passado (publicada no DOU de 28/10/2011): as obras licenciadas
pelo IBAMA (e “somente só”) que afetam os povos indígenas são ferrovias,
dutos, rodovias, portos, empreendimentos de mineração, termoelétricas e
hidrelétricas e somente são afetadas por estes tipos de
empreendimentos as Terras Indígenas com Portaria do Presidente da FUNAI
(aprovando seus Relatórios de Identificação) e que se situem nas distâncias
estabelecidas no Anexo II da referida Portaria (para uma análise crítica desta
Portaria acesse http://www.trabalhoindigenista.org.br/noticia.php?id_noticia=109).
As obras e medidas administrativas emanadas/propostas dos/pelos governos
estaduais e municipais – repetimos, base territorial onde as terras indígenas e
de quilombolas existem institucionalmente – ficam de fora desta Portaria, como
ficarão de fora do suposto futuro Decreto normalizador (?) da CV 169. E
então? Então vale a Lei em vigor para todos os casos, ora!
Em terceiro lugar, a CV 169 é clara: além de os
povos indígenas deverem ser consultados, a melhoria de
suas condições de vida (de trabalho, saúde e educação) deve ser prioritária na
definição das políticas de desenvolvimento das regiões onde habitam– ou
seja, os estados federados. Ler o consignado no artigo 6º da CV 169 e
lembrarmos, por exemplo, das condições dos Guarani no Mato Grosso do Sul é
constatar que este é um país onde as leis não valem (uma obviedade) e que os
políticos que as estabeleceram o fizeram por mero descuido, sem cuidar/refletir
sobre suas consequências. E o Estado brasileiro deveria agir como
manda um tratado internacional que assinou e validou perante a sociedade
brasileira – sob pena de prevaricar.
Portanto, e retomando o argumento, estamos diante
de uma situação no mínimo estranha onde o governo num momento disciplina a
participação dos órgãos responsáveis por tratar/representar com/os diferentes nacionais
no processo de licenciamento perante os órgãos licenciadores, impondo-lhes
limites e prazos, e noutro pretende normatizar os mecanismos de consulta. Ou
talvez o que o governo pretende com a normalização (sic) do
mecanismo de consulta é simplesmente adequar as consultas
obrigatórias que a FUNAI e Fundação Cultural Palmares (e o IPHAN) devem
realizar aos prazos estabelecidos na Portaria 419. Se esta for a
intenção isso é gravíssimo, pois uma consulta prévia e informada,
obrigação do Governo, não pode ser açodada por prazos inexequíveis como os
propostos na referida Portaria, ainda mais em se tratando de povos com os quais
a consulta plena esbarra em questões operacionais de acesso e comunicação,
pois, em sua maioria, aqueles povos não têm nem o domínio total do português e
nem a obrigação de entender os processos – além do que a CF no seu artigo nº
231 reconhece usos, costumes e tradições que lhes são específicos e diferentes
do conjunto dos nacionais.
Outro ponto interessante é o papel ambíguo da
Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Federal neste contexto. Para
defender, por exemplo, os atos do governo federal (governo Lula) na cessão de
terras para comunidades quilombolas (por força do artigo 68 das Disposições
Transitórias da CF de 1988) na ADI 3239 proposta pelo Partido Democratas (DEM)
contra o Decreto que regulamenta aquela cessão, a AGU invocou a CV 169, assim
como a PGR. Mas essa mesma AGU não invocou a CV 169 quando o MPF propôs a
paralisação de Belo Monte baseado justamente na forma com que o
governo federal realizou a consulta aos povos indígenas afetados pelo
empreendimento.
Da aplicabilidade imediata da CV 169 e a Consulta
Prévia
O princípio de participação é
elementar à aplicação de todo o texto da CV 169 e o Comitê de Peritos (CPACR)
definiu que “(...) A consulta é o instrumento previsto pela Convenção
para institucionalizar o diálogo, assegurar processos de desenvolvimento
inclusivos e prevenir e resolver conflitos. A consulta, nos termos previstos na
Convenção, pretende harmonizar interesses, às vezes contrapostos, mediante
procedimentos adequados” (CEARC, no169). E o artigo 15º da
Convenção explicita que esta consulta deve se dar antes que os governos
estatais empreendam ou autorizem qualquer programa de prospecção ou exploração
de recursos existentes no habitat dos povos indígenas.
“... a Convenção reconhece o direito de posse e
propriedade desses povos e preceitua medidas a serem tomadas para salvaguardar
esses direitos, inclusive sobre terras que, como observado em determinados
casos, não sejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais tenham,
tradicionalmente, tido acesso para suas atividades e subsistência” (Introdução). O
artigo 14o reza que a Convenção 169 se aplica sobre os espaços
territoriais dos povos indígenas que compartilham com terceiros; e o já citado
artigo 15o, que ela se aplica “(à) totalidade do habitat das
regiões que esses povos ocupam ou utilizam de alguma maneira”.
Os procedimentos de consulta previstos na Convenção
169 têm por finalidade chegar a um acordo ou lograr o consentimento; mas “não
é necessário, claro está, que um acordo logre ou obtenha consentimento”
(Informe do Comitê – doc. 16200MEX169B,in ISA “Convenção 169 da OIT
sobre povos indígenas e tribais”, 2009: 43). E a consulta deve ser feita pelo
Governo (artigo 7o) e é prévia, inclusive se dando na realização dos
estudos de impacto ambiental: “Os povos indígenas têm o direito de
participar em todos os níveis de tomada de decisão enquanto prevalecer a
situação criada por decisões estatais, tenham aqueles consentido ou não com a
medida proposta” (op. cit.: 2009: 36, grifo nosso).
“O resultado de um procedimento de consulta pode
ser indicador do seu êxito, mas não da sua legitimidade (...). Ou seja, o
processo de consulta não requer o consentimento como condição à sua
legitimidade, mas quando um projeto afeta direitos territoriais de forma
substancial, então o consentimento faz-se necessário; não para prestar
legitimidade ao processo de consulta, mas sim para legitimar a medida a
ser tomada pelo governo” (op. cit: idem).
A Constituição Federal (CF), por outro lado,
estabelece que os tratados internacionais tem força hierárquica
infraconstitucional, equiparando-se à força da lei ordinária (Art. 102, III,
b). E o artigo 5o (parágrafo 2o) determina que os
direitos e garantias estabelecidos na CF não excluem aqueles
estabelecidos em tratados internacionais que o Brasil seja parte. O Supremo
Tribunal Federal, ao interpretar ambos os artigos, tem entendido que os
tratados internacionais que versam sobre direitos humanos (e a
Convenção 169 é um deles) têm hierarquia superior a lei ordinária. No tribunal,
e sobre esse tema, ainda resta definir duas linhas de argumentação, ambas baseadas
na leitura da Emenda Constitucional 45/2004: uma que interpreta que a discussão
sobre o statusconstitucional foi esvaziada pela Emenda e outra que
entende que a Emenda equipara a força hierárquica dos tratados internacionais
ratificados pelo Brasil àquela da Constituição. A consequência da primeira
interpretação é que, em caso de conflito entre a norma constitucional e a norma
internacional, o texto constitucional não seria revogado, mas deixa de “ter
aplicabilidade diante do efeito paralisante destes tratados em relação à
legislação infraconstitucional que disciplina a matéria” (voto do ministro
Gilmar Mendes); já a outra interpretação (Ministro Celso de Mello) atribui
qualificação materialmente constitucional à normativa dos tratados
internacionais que versam sobre direitos humanos. O STF não retomou ainda esta
discussão, mas de toda forma e em qualquer caso, para o Tribunal a Convenção
169 possui status superior à lei ordinária já que versa sobre
os direitos dos povos indígenas – e os direitos dos povos são, por definição,
um direito humano.
Portanto, além de autoaplicável, a CV 169 possui um
estatuto superior à lei ordinária – logo por sobre qualquer decreto ou Portaria
que o venha “normatizar”. O Governo brasileiro possui os elementos necessários,
na própria Convenção, para agir, aplicando-a. Se quisesse, poderia ao invés de
normatizá-la, solicitar à AGU que circulasse entre os Ministérios e o Congresso
(suas lideranças) um parecer do Advogado Geral sobre a autoaplicabilidade, o
autorreconhecimento e sobre tudo que ali dispõe a ser feito pelos governos.
O artigo 6º da CV 169 é claro:
1. Na aplicação das disposições da presente
Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, por meio de
procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas,
sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis
de afetá-los diretamente; b) criar meios pelos quais esses povos possam
participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais
cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos
administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem; c)
estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e
iniciativas próprias desses povos e, quando necessário, disponibilizar os
recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas em conformidade com o
previsto na presente Convenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma
maneira adequada às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou
consentimento 23 em torno das medidas propostas possa ser alcançado.
A boa fé apregoada pela CV 169 de pronto
inviabilizaria “normatizar” aquilo que já está claramente exposto na própria
lei. “Criar meios” para a participação dos povos indígenas ou “estabelecer
meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas
próprias desses povos” contraria os princípios da
normatização/regulamentação, pois em cada situação, em cada contexto e
com cada povo devem ser pensadas, discutidas e avaliadas os critérios de
participação e representação.
Parece-nos que, na atual conjuntura política,
constituir Grupos de Trabalho para “normatizar” a participação indígena nos
destinos de seus territórios não passaria de uma cortina de fumaça para
encobrir a real intenção de minar os meios legítimos de consulta e, assim,
tutelar as decisões dos povos indígenas a fim de obter-se o domínio completo
das riquezas naturais de suas terras. O CTI não participará desse processo.
Brasília, 19 de Abril de 2012.
==//==
|
Presidência da
República
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos |
Promulga a Convenção no
169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e
Tribais.
|
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da
Constituição,
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo
no 143, de 20 de junho de 2002, o texto da Convenção no
169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e
Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989;
Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação
junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de 2002;
Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 5 de setembro de
1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de 2003, nos termos de seu art. 38;
DECRETA:
Art. 1o A Convenção no 169
da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais,
adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente
Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso
Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos
termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal.
Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação
Brasília, 19 de abril de 2004; 183o da Independência e 116o
da República.
LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA
Celso Luiz Nunes Amorim
Celso Luiz Nunes Amorim
Este
texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.4.2004
CONVENÇÃO No 169 DA OIT SOBRE
POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS
A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho,
Convocada em Genebra pelo Conselho Administrativo da Repartição Internacional
do Trabalho e tendo ali se reunido a 7 de junho de 1989, em sua septuagésima
sexta sessão;
Observando as normas internacionais enunciadas na Convenção e na Recomendação
sobre populações indígenas e tribais, 1957;
Lembrando os termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos
internacionais sobre a prevenção da discriminação;
Considerando que a evolução do direito internacional desde 1957 e as mudanças
sobrevindas na situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do
mundo fazem com que seja aconselhável adotar novas normas internacionais nesse
assunto, a fim de se eliminar a orientação para a assimilação das normas
anteriores;
Reconhecendo as aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias
instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e
fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados
onde moram;
Observando que em diversas partes do mundo esses povos não podem gozar dos
direitos humanos fundamentais no mesmo grau que o restante da população dos
Estados onde moram e que suas leis, valores, costumes e perspectivas têm
sofrido erosão freqüentemente;
Lembrando a particular contribuição dos povos indígenas e tribais à diversidade
cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e à cooperação e
compreensão internacionais;
Observando que as disposições a seguir foram estabelecidas com a colaboração
das Nações Unidas, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura e da Organização Mundial da Saúde, bem como do Instituto Indigenista
Interamericano, nos níveis apropriados e nas suas respectivas esferas, e que
existe o propósito de continuar essa colaboração a fim de promover e assegurar
a aplicação destas disposições;
Após ter decidido adotar diversas propostas sobre a revisão parcial da
Convenção sobre populações Indígenas e Tribais, 1957 (n.o
107) , o assunto que constitui o quarto item da agenda da sessão, e
Após ter decidido que essas propostas deveriam tomar a forma de uma Convenção
Internacional que revise a Convenção Sobre Populações Indígenas e Tribais,
1957, adota, neste vigésimo sétimo dia de junho de mil novecentos e oitenta e
nove, a seguinte Convenção, que será denominada Convenção Sobre os Povos
Indígenas e Tribais, 1989:
PARTE 1 - POLÍTICA GERAL
Artigo 1o
1. A presente convenção aplica-se:
a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições sociais,
culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional,
e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou
tradições ou por legislação especial;
b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo fato de
descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica
pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do
estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua
situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais,
econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.
2. A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se
aplicam as disposições da presente Convenção.
3. A utilização do termo "povos" na presente Convenção não
deverá ser interpretada no sentido de ter implicação alguma no que se refere
aos direitos que possam ser conferidos a esse termo no direito internacional.
Artigo 2o
1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a
participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com
vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.
2. Essa ação deverá incluir medidas:
a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de
igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos
demais membros da população;
b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e
culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus
costumes e tradições, e as suas instituições;
c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças
sócio - econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais
membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e
formas de vida.
Artigo 3o
1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As
disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e
mulheres desses povos.
2. Não deverá ser empregada nenhuma forma de força ou de coerção que viole
os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos interessados,
inclusive os direitos contidos na presente Convenção.
Artigo 4o
1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias para
salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio
ambiente dos povos interessados.
2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos expressos
livremente pelos povos interessados.
3. O gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não deverá
sofrer nenhuma deterioração como conseqüência dessas medidas especiais.
Artigo 5o
Ao se aplicar as disposições da presente Convenção:
a) deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais,
culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados e dever-se-á
levar na devida consideração a natureza dos problemas que lhes sejam
apresentados, tanto coletiva como individualmente;
b) deverá ser respeitada a integridade dos valores, práticas e
instituições desses povos;
c) deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos
interessados, medidas voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos
experimentam ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho.
Artigo 6o
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,
particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que
sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de
afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam
participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da
população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas
ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas
e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e
iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos
necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser
efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo
de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas
propostas.
Artigo 7o
1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias
prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em
que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem
como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na
medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e
cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação
e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional
suscetíveis de afetá-los diretamente.
2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e
educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá
ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde
eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões
também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria.
3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possíve1, sejam
efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a
incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as
atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os
resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais
para a execução das atividades mencionadas.
4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos
interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles
habitam.
Artigo 8o
1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser
levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário.
2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e
instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos
fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos
humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário,
deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que
possam surgir na aplicação deste principio.
3. A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo não deverá impedir que os
membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do
país e assumam as obrigações correspondentes.
Artigo 9o
1. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e
com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser
respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem
tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros.
2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem sobre
questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos mencionados a
respeito do assunto.
Artigo 10
1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros
dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características
econômicas, sociais e culturais.
2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o
encarceramento.
Artigo 11
A lei deverá proibir a imposição, a membros dos povo interessados, de serviços
pessoais obrigatórios de qualquer natureza, remunerados ou não, exceto nos
casos previstos pela lei para todos os cidadãos.
Artigo 12
Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos,
e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus
organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses
direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses
povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais,
facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.
PARTE II - TERRAS
Artigo 13
1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos
deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores
espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios,
ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira
e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.
2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá
incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das
regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.
Artigo 14
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade
e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos
casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos
povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas
por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas
atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser
dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores
itinerantes.
2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para
determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e
garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.
3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema
jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos
povos interessados.
Artigo 15
1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas
suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem
o direito desses povos a participarem da utilização, administração e
conservação dos recursos mencionados.
2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos
recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na
terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a
consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses
povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar
qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas
terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível
dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa
por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.
Artigo 16
1. Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente Artigo, os
povos interessados não deverão ser transladados das terras que ocupam.
2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos
sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento
dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando
não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só
poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados
estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for
apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar
efetivamente representados.
3. Sempre que for possível, esses povos deverão ter o direito de voltar a
suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram
seu translado e reassentamento.
4. Quando o retorno não for possível, conforme for determinado por acordo
ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento adequado, esses povos
deverão receber, em todos os casos em que for possível, terras cuja qualidade e
cujo estatuto jurídico sejam pelo menos iguais aqueles das terras que ocupavam
anteriormente, e que lhes permitam cobrir suas necessidades e garantir seu
desenvolvimento futuro. Quando os povos interessados prefiram receber
indenização em dinheiro ou em bens, essa indenização deverá ser concedida com
as garantias apropriadas.
5. Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e
reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como conseqüência do
seu deslocamento.
Artigo 17
1. Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos direitos
sobre a terra entre os membros dos povos interessados estabelecidas por esses
povos.
2. Os povos interessados deverão ser consultados sempre que for
considerada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de outra
forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade.
3. Dever-se-á impedir que pessoas alheias a esses povos possam se
aproveitar dos costumes dos mesmos ou do desconhecimento das leis por parte dos
seus membros para se arrogarem a propriedade, a posse ou o uso das terras a
eles pertencentes.
Artigo 18
A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda intrusão não autorizada nas
terras dos povos interessados ou contra todo uso não autorizado das mesmas por
pessoas alheias a eles, e os governos deverão adotar medidas para impedirem
tais infrações.
Artigo 19
Os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos interessados
condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da população, para
fins de:
a) a alocação de terras para esses povos quando as terras das que
dispunham sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma existência
normal ou para enfrentarem o seu possível crescimento numérico;
b) a concessão dos meios necessários para o desenvolvimento das terras que
esses povos já possuam.
PARTE III - CONTRATAÇÃO E CONDIÇÕES DE EMPREGO
Artigo 20
1. Os governos deverão adotar, no âmbito da legislação nacional e em
cooperação com os povos interessados, medidas especiais para garantir aos
trabalhadores pertencentes a esses povos uma proteção eficaz em matéria de
contratação e condições de emprego, na medida em que não estejam protegidas
eficazmente pela legislação aplicável aos trabalhadores em geral.
2. Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para evitar
qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes ao povos
interessados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a:
a) acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados e às medidas de
promoção e ascensão;
b) remuneração igual por trabalho de igual valor;
c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, todos os
benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados do emprego, bem
como a habitação;
d) direito de associação, direito a se dedicar livremente a todas as
atividades sindicais para fins lícitos, e direito a celebrar convênios
coletivos com empregadores ou com organizações patronais.
3. As medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que:
a) os trabalhadores pertencentes aos povos interessados, inclusive os
trabalhadores sazonais, eventuais e migrantes empregados na agricultura ou em
outras atividades, bem como os empregados por empreiteiros de mão-de-obra,
gozem da proteção conferida pela legislação e a prática nacionais a outros
trabalhadores dessas categorias nos mesmos setores, e sejam plenamente
informados dos seus direitos de acordo com a legislação trabalhista e dos
recursos de que dispõem;
b) os trabalhadores pertencentes a esses povos não estejam submetidos a
condições de trabalho perigosas para sua saúde, em particular como conseqüência
de sua exposição a pesticidas ou a outras substâncias tóxicas;
c) os trabalhadores pertencentes a esses povos não sejam submetidos a
sistemas de contratação coercitivos, incluindo-se todas as formas de servidão
por dívidas;
d) os trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdade de
oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no emprego e de proteção
contra o acossamento sexual.
4. Dever-se-á dar especial atenção à criação de serviços adequados de
inspeção do trabalho nas regiões donde trabalhadores pertencentes aos povos
interessados exerçam atividades assalariadas, a fim de garantir o cumprimento
das disposições desta parte da presente Convenção.
INDÚSTRIAS RURAIS
Artigo 21
Os membros dos povos interessados deverão poder dispor de meios de formação
profissional pelo menos iguais àqueles dos demais cidadãos.
Artigo 22
1. Deverão ser adotadas medidas para promover a participação voluntária de
membros dos povos interessados em programas de formação profissional de
aplicação geral.
2. Quando os programas de formação profissional de aplicação geral
existentes não atendam as necessidades especiais dos povos interessados, os
governos deverão assegurar, com a participação desses povos, que sejam
colocados à disposição dos mesmos programas e meios especiais de formação.
3. Esses programas especiais de formação deverão estar baseado no entorno
econômico, nas condições sociais e culturais e nas necessidades concretas dos
povos interessados. Todo levantamento neste particular deverá ser
realizado em cooperação com esses povos, os quais deverão ser consultados sobre
a organização e o funcionamento de tais programas. Quando for possível,
esses povos deverão assumir progressivamente a responsabilidade pela
organização e o funcionamento de tais programas especiais de formação, se assim
decidirem.
Artigo 23
1. O artesanato, as indústrias rurais e comunitárias e as atividades
tradicionais e relacionadas com a economia de subsistência dos povos
interessados, tais como a caça, a pesca com armadilhas e a colheita, deverão
ser reconhecidas como fatores importantes da manutenção de sua cultura e da sua
autosuficiência e desenvolvimento econômico. Com a participação desses
povos, e sempre que for adequado, os governos deverão zelar para que sejam
fortalecidas e fomentadas essas atividades.
2. A pedido dos povos interessados, deverá facilitar-se aos mesmos, quando
for possível, assistência técnica e financeira apropriada que leve em conta as
técnicas tradicionais e as características culturais desses povos e a
importância do desenvolvimento sustentado e equitativo.
PARTE V - SEGURIDADE SOCIAL E SAÚDE
Artigo 24
Os regimes de seguridade social deverão ser estendidos progressivamente aos
povos interessados e aplicados aos mesmos sem discriminação alguma.
Artigo 25
1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição dos
povos interessados serviços de saúde adequados ou proporcionar a esses povos os
meios que lhes permitam organizar e prestar tais serviços sob a sua própria
responsabilidade e controle, a fim de que possam gozar do nível máximo possível
de saúde física e mental.
2. Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em
nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados
em cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições econômicas,
geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de prevenção,
práticas curativas e medicamentos tradicionais.
3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à formação e
ao emprego de pessoal sanitário da comunidade local e se centrar no atendimento
primário à saúde, mantendo ao mesmo tempo estreitos vínculos com os demais
níveis de assistência sanitária.
4. A prestação desses serviços de saúde deverá ser coordenada com as
demais medidas econômicas e culturais que sejam adotadas no país.
PARTE VI - EDUCAÇÃO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Artigo 26
Deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos povos interessados a
possibilidade de adquirirem educação em todos o níveis, pelo menos em condições
de igualdade com o restante da comunidade nacional.
Artigo 27
1. Os programas e os serviços de educação destinados aos povos
interessados deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com eles a fim
de responder às suas necessidades particulares, e deverão abranger a sua
história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e todas suas
demais aspirações sociais, econômicas e culturais.
2. A autoridade competente deverá assegurar a formação de membros destes
povos e a sua participação na formulação e execução de programas de educação,
com vistas a transferir progressivamente para esses povos a responsabilidade de
realização desses programas, quando for adequado.
3. Além disso, os governos deverão reconhecer o direito desses povos de
criarem suas próprias instituições e meios de educação, desde que tais
instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela autoridade
competente em consulta com esses povos. Deverão ser facilitados para eles
recursos apropriados para essa finalidade.
Artigo 28
1. Sempre que for viável, dever-se-á ensinar às crianças dos povos
interessados a ler e escrever na sua própria língua indígena ou na língua mais
comumente falada no grupo a que pertençam. Quando isso não for viável, as
autoridades competentes deverão efetuar consultas com esses povos com vistas a
se adotar medidas que permitam atingir esse objetivo.
2. Deverão ser adotadas medidas adequadas para assegurar que esses povos
tenham a oportunidade de chegarem a dominar a língua nacional ou uma das
línguas oficiais do país.
3. Deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas indígenas
dos povos interessados e promover o desenvolvimento e prática das mesmas.
Artigo 29
Um objetivo da educação das crianças dos povos interessados deverá ser o de
lhes ministrar conhecimentos gerais e aptidões que lhes permitam participar
plenamente e em condições de igualdade na vida de sua própria comunidade e na
da comunidade nacional.
Artigo 30
1. Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições e
culturas dos povos interessados, a fim de lhes dar a conhecer seus direitos e
obrigações especialmente no referente ao trabalho e às possibilidades
econômicas, às questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos
direitos derivados da presente Convenção.
2. Para esse fim, dever-se-á recorrer, se for necessário, a traduções
escritas e à utilização dos meios de comunicação de massa nas línguas desses
povos.
Artigo 31
Deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os setores da
comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam em contato mais
direto com os povos interessados, com o objetivo de se eliminar os preconceitos
que poderiam ter com relação a esses povos. Para esse fim, deverão ser
realizados esforços para assegurar que os livros de História e demais materiais
didáticos ofereçam uma descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades
e culturas dos povos interessados.
PARTE VII - CONTATOS E COOPERAÇÃO ATRAVÉS DAS
FRONTEIRAS
Artigo 32
Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive mediante acordos
internacionais, para facilitar os contatos e a cooperação entre povos indígenas
e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades nas áreas econômica,
social, cultural, espiritual e do meio ambiente.
PARTE VIII – ADMINISTRAÇÃO
Artigo 33
1. A autoridade governamental responsável pelas questões que a presente
Convenção abrange deverá se assegurar de que existem instituições ou outros
mecanismos apropriados para administrar os programas que afetam os povos
interessados, e de que tais instituições ou mecanismos dispõem dos meios
necessários para o pleno desempenho de suas funções.
2. Tais programas deverão incluir:
a) o planejamento, coordenação, execução e avaliação, em cooperação com os
povos interessados, das medidas previstas na presente Convenção;
b) a proposta de medidas legislativas e de outra natureza às autoridades
competentes e o controle da aplicação das medidas adotadas em cooperação com os
povos interessados.
PARTE IX - DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 34
A natureza e o alcance das medidas que sejam adotadas para por em efeito a
presente Convenção deverão ser determinadas com flexibilidade, levando em conta
as condições próprias de cada país.
Artigo 35
A aplicação das disposições da presente Convenção não deverá prejudicar os
direitos e as vantagens garantidos aos povos interessados em virtude de outras
convenções e recomendações, instrumentos internacionais, tratados, ou leis,
laudos, costumes ou acordos nacionais.
PARTE X - DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 36
Esta Convenção revisa a Convenção Sobre Populações Indígenas e Tribais, 1957.
Artigo 37
As ratificações formais da presente Convenção serão transmitidas ao
Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas.
Artigo 38
1. A presente Convenção somente vinculará os Membros da Organização
Internacional do Trabalho cujas ratificações tenham sido registradas pelo
Diretor-Geral.
2. Esta Convenção entrará em vigor doze meses após o registro das
ratificações de dois Membros por parte do Diretor-Geral.
3. Posteriormente, esta Convenção entrará em vigor, para cada Membro, doze
meses após o registro da sua ratificação.
Artigo 39
1. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção poderá
denunciá-la após a expiração de um período de dez anos contados da entrada em
vigor mediante ato comunicado ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do
Trabalho e por ele registrado. A denúncia só surtirá efeito um ano após o
registro.
2. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção e não fizer uso
da faculdade de denúncia prevista pelo parágrafo precedente dentro do prazo de
um ano após a expiração do período de dez anos previsto pelo presente Artigo,
ficará obrigado por um novo período de dez anos e, posteriormente, poderá
denunciar a presente Convenção ao expirar cada período de dez anos, nas
condições previstas no presente Artigo.
Artigo 40
1. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará a
todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho o registro de todas
as ratificações, declarações e denúncias que lhe sejam comunicadas pelos
Membros da Organização.
2. Ao notificar aos Membros da Organização o registro da segundo
ratificação que lhe tenha sido comunicada, o Diretor-Geral chamará atenção dos
Membros da Organização para a data de entrada em vigor da presente Convenção.
Artigo 41
O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho comunicará ao
Secretário - Geral das Nações Unidas, para fins de registro, conforme o Artigo
102 da Carta das Nações Unidas, as informações completas referentes a quaisquer
ratificações, declarações e atos de denúncia que tenha registrado de acordo com
os Artigos anteriores.
Artigo 42
Sempre que julgar necessário, o Conselho de Administração da Repartição
Internacional do Trabalho deverá apresentar à Conferência Geral um relatório
sobre a aplicação da presente Convenção e decidirá sobre a oportunidade de
inscrever na agenda da Conferência a questão de sua revisão total ou parcial.
Artigo 43
1. Se a Conferência adotar uma nova Convenção que revise total ou
parcialmente a presente Convenção, e a menos que a nova Convenção disponha
contrariamente:
a) a ratificação, por um Membro, da nova Convenção revista implicará de
pleno direito, não obstante o disposto pelo Artigo 39, supra, a denúncia
imediata da presente Convenção, desde que a nova Convenção revista tenha
entrado em vigor;
b) a partir da entrada em vigor da Convenção revista, a presente Convenção
deixará de estar aberta à ratificação dos Membros.
2. A presente Convenção continuará em vigor, em qualquer caso em sua forma
e teor atuais, para os Membros que a tiverem ratificado e que não ratificarem a
Convenção revista.
Artigo 44
As versões inglesa e francesa do texto da presente Convenção são igualmente
autênticas.
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